O Estado de S. Paulo
Ela chegou a ser comparada a uma cidade nos anos 80. Tinha ruas com semáforos, capela, agência de correio e padaria que produzia 50 mil pães por dia. Hoje menor, mas ainda uma gigante imponente na Via Anchieta, que liga a capital ao litoral paulista, a fábrica da Volkswagen comemora na quarta-feira 50 anos de inauguração oficial, data marcada pela histórica foto em que o presidente Juscelino Kubitschek passeia pela linha de montagem em um Fusca conversível.
A fábrica, a primeira da Volkswagen fora da Alemanha, foi a escolhida pelo grupo para receber boa parte de um novo investimento que será anunciado no fim deste mês ou início de dezembro. O dinheiro será aplicado em aumento de capacidade produtiva e desenvolvimento de carros que chegarão ao mercado nos próximos dois ou três anos.
A companhia tem mais duas unidades de automóveis, uma em Taubaté (SP) e outra em São José dos Pinhais (PR), e uma de motores em São Carlos (SP). Recentemente, a matriz alemã vendeu a unidade de caminhões para o grupo MAN. O novo aporte vai se somar ao programa de R$ 3,2 bilhões anunciado para o período 2007 a 2011 e faz parte do projeto do grupo de chegar em 2012 com produção anual de 1 milhão de veículos. Este ano, a produção deve atingir volume recorde de 800 mil unidades.
“A Anchieta é a fábrica mais complexa do grupo”, afirma o presidente da Volkswagen do Brasil, Thomas Schmall. “Produz nove modelos, da Kombi ao novo Gol”. Ele não adianta detalhes do anúncio que fará nas próximas semanas, mas indica que a unidade do ABC deve crescer mais que as outras do grupo.
Schmall também destaca a importância da filial para a matriz, que conta com o Brasil, seu terceiro maior mercado, para chegar à liderança mundial em vendas nos próximos anos. “Em 2006, representávamos 8% das vendas do grupo; hoje, já participamos com 11%.”
No mercado brasileiro, a marca que tem um terço de sua produção feita na unidade Anchieta, espera voltar à liderança do mercado de automóveis e comerciais leves, perdida para a Fiat em 2001, no próximo ano.
No segmento de automóveis, o objetivo já foi atingido e a marca alemã está à frente da italiana com 25,6% de participação nas vendas de janeiro a outubro. Na soma dos segmentos, a VW aumentou suas vendas em 13% (com 573,5 mil unidades) neste ano, ante um crescimento de 7,4% do mercado.
Até o fim do ano, a Volks ainda vai lançar duas novas versões de modelos, completando um pacote de 16 lançamentos. Para 2010, serão mais dez novidades, informa Schmall, que aposta em um crescimento de 3% a 6% nas vendas internas, sendo que a Volkswagen deverá crescer entre 4% a 8%.
Gesto imitado
A Volkswagen instalou-se em São Bernardo do Campo em 1957 inicialmente produzindo a Kombi. A inauguração oficial só ocorreu dois anos depois, com a presença do então presidente da República que vislumbrou um futuro industrial para o Brasil. Um ano depois chegou a São Bernardo a também alemã Mercedes-Benz. A primeira a instalar-se no ABC paulista, porém, foi a General Motors, que em 1930 inaugurou a fábrica de São Caetano do Sul, inicialmente para produzir caminhões. Mais tarde vieram Toyota e Scania (1962) e a Ford (1967).
O aglomerado de montadoras atraiu dezenas de fabricantes de autopeças e fez da região o mais importante polo automotivo do País e, também, o berço do sindicalismo brasileiro. Foi no ABC que surgiu o líder metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva. “Kubitschek, com seu gesto, abriu o caminho para o Brasil ter uma indústria forte”, diz Schmall. Hoje, o Brasil é o sexto maior produtor mundial de veículos e o quinto maior mercado. Até de dezembro deverão ser vendidos no País mais de 3 milhões de veículos.
O gesto de Juscelino foi imitado, mais tarde, por outros dois presidentes. Em 1993, quando o Fusca voltou a ser produzido, Itamar Franco desfilou em uma versão conversível especialmente fabricada para a ocasião. Em 2003, foi a vez de Lula desfilar pela fábrica em um Fox conversível, dessa vez no cinquentenário da chegada da Volkswagen ao País, inicialmente como importadora.
O especialista em indústria automobilística, José Roberto Ferro, presidente do Lean Institute, concorda que a fábrica Anchieta representou a chegada ao Brasil da produção em massa. Mas ressalta que, por muitos anos, foi uma das mais ineficientes em produtividade. “Ela trouxe ao País o modelo que era competitivo na época, com a produção interna de quase todos os componentes usados no carro, até mesmo os tapetes, mas o mundo produtivo mudou e a Volks ficou estacionada.”
Ferro acredita que a Volkswagen mudou muito nos últimos dez anos, passou por várias reestruturações, “mas não está nos níveis mais avançados do mundo”. Schmall reconhece os anos de ineficiência, mas garante que a empresa “conseguiu inverter o jogo e hoje é uma das mais eficientes”.
No início dos anos 80, a VW Anchieta chegou a empregar mais de 40 mil funcionários e hoje tem perto de 13 mil. Somando as quatro fábricas do grupo, chega-se a pouco mais da metade desse número. Produção de peças e serviços foram terceirizadas, modelo produtivo adotado por todas as montadoras.
O encolhimento da fábrica e do quadro de pessoal foi feito à base de muitas greves e negociações com o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Uma das mais longas foi em 2006, quando a empresa ameaçou fechar a fábrica caso não conseguisse reduzir o número de trabalhadores para tornar a unidade mais competitiva.
Com 40 anos de idade e há 25 funcionário da Anchieta, Luiz Carlos da Silva Dias, vice-coordenador da Comissão de Fábrica, cita como um dos avanços a relação entre trabalhadores e empresa. “Antes tínhamos de fazer greve para que eles sentassem à mesa para negociar; hoje a greve é a última alternativa após as negociações.”
Ao longo dos seus 50 anos, a Anchieta produziu 11 milhões de veículos, o equivalente a um terço de toda a frota de carros e comerciais leves que circulam pelo País e a 60% de toda a produção da Volkswagen brasileira. Parte dessa produção é do modelo Gol, o carro mais vendido no País há 22 anos.
Em várias ocasiões, a marca teve de chamar seus clientes de volta às concessionárias para corrigir defeitos de fábrica. O recall mais polêmico foi dos modelos Fox, ocorrido depois que alguns consumidores tiveram parte dos dedos decepados no sistema de rebaixamento do banco traseiro.
Fonte: O Estado de S. Paulo | www.estadao.com.br
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